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Falar ou não falar em racismo. - por Luiz Fernando Valle

 

 

      Se não falarmos mais sobre racismo, será que ele acaba?

      Creio que não, pois esse mal que está encarnado nas sociedades é muito mais do que somente deixar de falar. O racismo é muito mais do que um ato de ofender, uma vez que as desigualdades sociais são extremamente gritantes, e isso tem muito a ver com a questão racial em si e tem raízes históricas notórias, já que no Brasil pós-abolição buscou-se investir na vinda de imigrantes e não no negro liberto. Mas com qual intuito?

       A pressão da Inglaterra para abolir a escravidão era constante, pois um país que tivesse escravos não seria um país desenvolvido e escravo não consome, daí o interesse do capitalismo industrial inglês em relação ao Brasil ser grande, com a necessidade de transformar o escravo em trabalhador e assim assalariado. Algo, porém, ou não deu muito certo ou foi negado pelos fazendeiros.

      Após a abolição da escravidão, assinada pela princesa Isabel, a monarquia e os que apoiavam o fim da escravidão não procuraram dar alguma assistência aos recém-libertos, e não fizeram questão de incluir os negros na sociedade, ao contrário, a exclusão foi maior. As teorias racistas que estavam vigentes no século XIX tiveram avanços na sociedade brasileira. Acreditavam que o Brasil jamais poderia ser desenvolvido, assim como os europeus. Pensadores como o médico Nina Rodrigues defendiam a tese de que o negro era um ser inferior ao branco, baseando-se no pensamento de Arthur de Gobineau, que dizia “a mestiçagem criava um povo degenerado, porque não conserva, nas suas veias, o mesmo sangue original que sucessivas misturas fizeram, gradualmente, modificar seu valor; em outras palavras... não tem conservado a mesma raça dos seus fundadores”. Goubineau como Ministro da França no Brasil incentiva a vinda de franceses ao país, dando início ao “branqueamento” da população brasileira. Até o próprio patrono da abolição Joaquim Nabuco dizia que: “o Brasil precisava urgentemente da abolição a fim de constituir uma nacionalidade apropriada com base no imigrante europeu com seu ‘sangue caucásico, vivaz, enérgico e sadio’”.

        Além disso, com o pensamento de que os negros e o mulato atrasavam o país, as práticas dos negros passam a ser proibidas por lei, como a capoeira, por exemplo, que foi considerada crime de vadiagem segundo o decreto 847 de 11 de outubro de 1890, o qual institui que:

Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil

Capítulo XII -- Dos Vadios e Capoeiras

Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação Capoeiragem; andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta ou incutindo temor de algum mal.Pena: prisão celular de 2 (dois) a 6 (seis) meses. A penalidade é a do art. 96.

      Isto perpetuou até o início dos anos de 1930, com relação à capoeira e o candomblé foi também criminalizado e “demonizado” por parte dos católicos, sendo hoje ainda perseguido por parte de seguidores das religiões neopentecostais.

          Com base no livro de Gilberto Freire, por muito tempo passa a se acreditar que o Brasil é o paraíso racial, passa a se acreditar no mito da democracia racial. O culto de valorização do mestiço segue acreditando em uma harmonia entre negros, brancos e índios. As Nações Unidas, por sua vez, patrocina um projeto para se estudar o Brasil e a harmonia entre as raças. Porém, em sua obra “Racismo de marca e racismo de origem” dentro deste patrocínio das Nações Unidas, Oracy Nogueira busca descrever que o racismo no Brasil é definido pela marca, ou seja, pelo fenótipo da pessoa.

         O mito da democracia Racial começa a cair por terra através dos estudos da Escola Sociológica Paulista, onde Florestan Fernandes é o maior destaque e critica o mito ao relatar o seguinte:

Portanto, as circunstâncias histórico-sociais apontadas fizeram com que o mito da ‘ democracia racial’ surgisse e fosse manipulado como conexão dinâmica dos mecanismos societários de defesa dissimulada de atitudes, comportamentos e ideias ‘aristocráticos’ de ‘raças dominantes’. Para que sucedesse o inverso, seria preciso que ele caísse nas mãos dos negros e dos mulatos; e que desfrutassem de autonomia social equivalente para explorá-lo na direção contrária, em vista de seus próprios fins, como um fator de democratização da riqueza, da cultura e do poder”.

            No Brasil é possível ver relações amorosas e de interesses econômicos inter-raciais, mas o preconceito racista é visível em relação às funções de poder. Com relação aos interesses econômicos, pode-se citar o caso de jogadores de times famosos que, após suas ascensões econômicas, logo estão namorando e se casando com modelos “brancas”. Edward Telles sugere que

devido ao racismo estrutural da nossa sociedade, os cônjuges negros teriam um status percebido tão baixo no “mercado matrimonial” que seriam obrigados a pagar um alto preço para obter casamentos “vantajosos” (“marry up”) com parceiros mais claros. De um modo economicamente bem real, sua cor já seria uma desvantagem tão grande que precisam de muitas outras vantagens compensatórias (maior escolaridade, maior renda etc.) para poder competir em pé de igualdade”.

            Não é por pararmos de falar em racismo que ele irá acabar, pois é necessário que se entenda primeiramente o que é o racismo, a discriminação e o preconceito. O racismo é uma questão de poder, e é preciso lembrar nas relações de poder qual etnia ocupa as “grandes” posições em empresas; observar nas universidades, seja ela pública ou particular, qual a predominância étnica, ou até no próprio carnaval, quando se observam os trios elétricos, quem está dentro dos cordões? Por esses e outros motivos, continuarei falando disso, mas com um argumento que sustente e justifique o porquê de defender as politicas de ações afirmativas, pois, se o Brasil é um país mestiço, é necessário que as representações “escuras” que ajudaram na construção deste país sejam devidamente reconhecidas pelos seus méritos e não por sua exclusão nas cores nacionais.

Textos, estudos e reflexões.

​"A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.” Nelson Mandela
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