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Redes sociais: a pólis, as bestas e os deuses.

por Bruno F. Matsumoto

 

         Sob o céu azul helênico, disse: “O homem que vive isolado, que é incapaz de partilhar os benefícios da associação política ou não precisa partilhar porque já é autossuficiente, não faz parte da pólis, e deve, portanto, ser ou uma besta ou um deus”; as palavras são do mais conhecido estagirita, Aristóteles.

           Pólis era a forma como os antigos gregos se referiam às suas cidades ― que não se tratavam das cidades como concebemos hoje, se é que ainda existe unidade no modo como as concebemos. A pólis era um direcionamento racional no qual o homem partilhava com seus iguais sua finalidade original: a vida social e política. A cidade-estado era algo além de uma referência espacial concreta; lá, à parte de todo o resto, estava delimitado o mundo dos homens. Não participar da pólis era inconsequência, pois acreditava-se que só dentro dela existia lugar para a realização humana rumo ao bem supremo coletivo.

            Se Aristóteles conseguiu internalizar seu tempo, seus escritos representam a externalização do registro de uma reflexão social ordenada, pois neles é apresentado o lugar exato do homem. Porém, passados alguns milênios de imersão em toda a liquidez histórica, a ordem aristotélica, bem como a de todos os outros, foi naturalmente mitigada ― assim como a maioria das certezas da harmonia do cosmos que ele propôs.

            Desde os rincões da distante modernidade do século XIX, brada-se pelos quatro cantos do universo ― sobretudo pela psicanálise e por mais quem tenha se atrevido ― o destronamento das certezas antropocêntricas. No século XVI saímos do centro cósmico e passamos habitar um pequeno astro qualquer do universo, quando Copérnico afirmou que o centro é o Sol. Posteriormente, o nocaute certeiro veio de Darwin, ao anunciar que somos frutos de uma adaptação evolutiva; e, por isso, nada divinos. Para contribuir com o vandalismo existencial humano, tivemos Freud e Marx; o primeiro, ao afirmar que o Eu não é dono da sua própria morada porque é determinado pelo inconsciente; o segundo, ao apontar que a estrutura material da organização social humana é determinante da nossa consciência.

            Ecce Hommo! Temos a impressão de que essa consciência para si ― no sentido fenomenológico ―, lapidada no decorrer da história , nos fez buscar novos desrumos para o calabouço da nossa existência. Fizemos revoluções, dinheiro, utopias, máquina e guerras. Atravessamos a primeira metade do século XX testando nossas últimas certezas, a ponto de chegarmos aos (e)feitos atômicos que poderiam nos adormecer e fazer com que despertássemos renovados. Porém, uma nova provocação nos aguardava , a da informática, que transcendeu o plano físico para nos refazer como imaginário. Descobrimos que toda a informação humana acumulada, mesmo que incerta e desnecessária, poderia ser guardada e processada por componentes eletrônicos. Depois disso, conseguimos transmitir essas mesmas informações a velocidades nunca antes pensadas, através da internet.

            O mundo se transformou, ficou apertado, o tempo e o espaço se diluíram na velocidade ― sufocante ― da informação; até que, por não suportarmos, decidimos fugir e distender, habitar o fluxo, migrar para o virtual. Decidimos reconstruir nossa existência naquilo que passamos a chamar de redes sociais.

            Longe de todas as incertezas demoníacas da modernidade e da falta de espaço, descobrimos que podemos reconstruir todas as verdadeiras incertezas que são nossas. Percebemos que o nosso imaginário virtual é o melhor lugar para habitar; não precisamos ser centro, consciência, homo politicus , ou seja lá o que for. O espaço virtual é o lugar da distensão e, para nossa satisfação, somos dialeticamente recompensados por outros náufragos que também lançam suas boias ao mar, que agarram e compartilham quaisquer palavras, imagens e/ou sons capazes de agradar o imaginário, o que legitima a certeza da existência de ambos. A cidade tornou-se coisa obsoleta, impossível; a pólis já não habita a pólis, e o homem menos ainda ― inconsequência é viver nela, que não nos realiza. É tempo de parafrasear Aristóteles: aquele que não habita as redes sociais é uma besta ou um Deus.

Textos, estudos e reflexões.

"A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.” Nelson Mandela
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